Homem na Estrada
(Mano Brown)

O homem na estrada recomeça sua vida
sua finalidade, a sua liberdade, que foi perdida, subtraída 
e quer provar a si mesmo que realmente mudou
que se recuperou e quer viver em paz
não olhar para trás, dizer ao crime nunca mais
pois sua infância não foi um mar de rosas não
na FEBEM lembranças dolorosas então.
Sim, ganhar dinheiro ficar rico enfim 
muitos morreram sim sonhando alto assim 
me digam quem é feliz, quem não se desespera 
vendo nascer seu filho no berço da miséria
um lugar onde só tinham como atração
o bar e o candomblé pra se tomar a benção
esse é o palco da história que por mim será contada,
o homem na estrada.

Equilibrado num barranco incomodo, mal acabado e sujo
porém seu único lar seu bem e seu refúgio
cheiro horrível de esgoto no quintal
por cima ou por baixo, se chover será fatal
um pedaço do inferno aqui é onde eu estou 
até o IBGE passou aqui e nunca mais voltou 
numerou os barracos, fez uma pá de perguntas 
logo depois esqueceram, filha da puta
acharam uma mina morta e estuprada
deviam estar com muita raiva, mano quanta paulada
estava irreconhecível, o rosto desfigurado
deu meia noite e o corpo ainda estava lá 
coberto com lençol, dessecado pelo sol, jogado 
o IML estava só dez horas atrasado.
Sim, ganhar dinheiro ficar rico enfim 
quero que meu filho nem se lembre daqui 
tenha uma vida segura não quero que ele cresça 
com um oitão na cintura e uma PT na cabeça 
e o resto da madrugada sendo mim ele pensa
o que fazer para sair dessa situação,desempregado então
com má reputação, viveu na detenção, ninguém confia não
e a vida desse homem para sempre foi danificada, 
o homem na estrada.

Amanhece mais um dia e tudo é exatamente igual 
calor insuportável, 28 graus
faltou água, já é rotina, monotonia
não tem prazo pra voltar, hu, já fazem cinco dias
são dez horas, a rua está agitada 
uma ambulância foi chamada com extrema urgência
loucura violência, exagerada 
estourou a própria mãe estava embriagado 
mas bem antes da ressaca ele foi julgado 
arrastado pela rua o pobre do elemento 
inevitável linchamento, imaginem só 
ele ficou bem feio, não tiveram dó 
os ricos fazem campanha contra as drogas 
e falam sobre o poder destrutivo dela 
por outro lado promovem e ganham muito dinheiro 
com o alcool que é vendido na favela
empapuçado ele sai,vai dar um rolê 
não acredita no que vê, não daquela maneira 
crianças, gatos, cachorros disputam palmo a palmo 
seu café da manhã na lateral da feira 
molecada sem futuro, eu já consigo ver 
só vão na escola pra comer, apenas nada mais 
como é que vão aprender sem incentivo de alguém
sem orgulho e sem respeito sem saúde e sem paz 
um mano meu tava ganhando um dinheiro 
tinha comprado um carro, até rolex tinha 
foi fuzilado a queima roupa no colégio, 
abastecendo a playboyzada de farinha 
ficou famoso, virou notícia
rendeu dinheiro aos jornais, hu, cartaz a polícia
vinte anos de idade alcançou os primeiros lugares
superstar do Notícias Populares. 
Uma semana depois chegou o crack, 
gente rica por trás, diretoria 
a que periferia miséria de sobra 
um salário por dia garante a mão-de-obra 
a clientela, tem grana e compra bem
tudo em casa, costa quente de sócio 
a playboyzada muito louca até os ossos 
vender droga por aqui, grande negócio. 
Sim, ganhar dinheiro ficar rico enfim 
quero um futuro melhor não quero morrer assim 
num necrotério qualquer, um indigente sem nome e sem nada, 
o homem na estrada.

Assaltos na redondeza, levantaram suspeitas 
logo acusaram uma favela para variar
e o boato que corre é que esse homem está 
com o seu nome lá na lista dos suspeitos
pregada na parede do bar 
a noite chega e o clima estranho no ar 
e ele sem desconfiar de nada, vai dormir tranquilamente 
mas na calada caguetaram os seus antecedentes 
como se fosse uma doença incurável, 
no seu braço a tatuagem, DVC uma passagem
um cinco sete na lei, no seu lado não tem mais ninguém 
a justiça criminal é implacável, 
tiram sua liberdade, família e moral 
mesmo longe do sistema carcerário 
te chamarão pra sempre de ex-presidiário 
não confio na polícia, raça do caralho 
se eles me acham baleado na calçada
chutam minha cara e cospem em mim 
é, eu sangraria até a morte, já era um abraço
por isso a minha segurança eu mesmo faço 
é madrugada parece estar tudo normal 
mas esse homem desperta pressentindo o mal 
muito cachorro latindo, ele acorda ouvindo 
barulho de carros e passos no quintal
a vizinhança está calada e insegura 
premeditando um final que já conhecem bem
na madrugada da favela não existem leis 
talvez a lei do silêncio a lei do cão talvez 
vão invadir o seu barraco é a polícia 
vieram pra arregaçar cheios de ódio e malícia 
filhos da puta, comedores de carniça 
já deram minha sentença e eu nem tava na treta 
não são poucos que já vieram muito loucos 
matar na crocodilagem, não vão perder viagem
quinze caras lá fora,diversos calibres 
e eu apenas com uma treze tiros automática
só eu mesmo e eu, meu Deus e meu Orixá 
no primeiro barulho eu vou atirar 
se eles me pegam, meu filho fica sem ninguém 
o que eles querem mais um pretinho na FEBEM. 
Sim, ganhar dinheiro ficar rico enfim 
a gente sonha a vida inteira e só acorda no fim 
minha verdade foi outra não dá mais tempo pra nada...

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